Uma
mão cheia agarra os grãos que pode para lançar ao ar de
odor silvestre para depois caírem na terra antes lavrada e que em
breve se vestirá de verdes canudos de folha larga. Da colheita do
ano anterior, guardou-se o milho necessário para preparar uma nova
colheita. Talvez seja o milho um dos produtos da terra que mais
atenção requer dos homens e mulheres que antigamente e ainda hoje
se esforçam por pintar as paisagens rurais com um bonito verde por
lanteiros fora, aqui e além. Depois da sementeira, já com o tempo
quente, a primeira sacha. Por entre os pequenos rebentos a terra tem
de ser remexida para evitar que as ervas daninhas tomem conta do
terreno. Leva tempo pois, e como já estamos no tempo quente, chega a
altura das regas. Maioritariamente já há alguma modernização
nesse sentido como é o caso dos aspersores, os repuxos que à força
de motor cobrem na totalidade o terreno a regar. Ainda assim quem tem
mais persistência e tem água na presa, com ajuda da gravidade, faz
a rega à moda antiga, com o sacho a guiar o liquido refrescante que
dá um novo alento à cultura.
É
certo que quem se vê com tal tarefa de labuta diária, tudo o que
pensa é levar a cabo a missão da melhor forma possível. Contudo,
quem tem o privilégio de poder assistir a esta atividade sazonal
pode contemplar uma autêntica pintura rural cheia de cores e
sentimentos. O agricultor como figura central duma história tão
antiga como o tempo. E não só uma história com imagens mas também
uma história com sons, cheiros e tato. Um quadro que sai da moldura
e no qual mergulhamos e nos deixamos levar pela imaginação. Ali
sentados naquele penedo, os pardais em azáfama na árvore por cima
de nós chilreiam belas melodias. O melro que sem dar por nós voa
até ao ninho escondido por entre pedras num muro para alimentar a
prole com a minhoca que achou perto da presa. O milhafre lá no alto
a fazer o cerco a uma qualquer lagartixa esparramada ao sol que
absorve o calor no granito duma lage. A leve brisa suficiente para
fazer dançar o canavial verde esperança. O penedo por baixo de nós
no qual pousamos as mãos e sentimos a rugosidade milenar. O cheiro a
fruta madura duma tarde de Verão no campo. O pêssego que arrancamos
da árvore logo ali, trincamos, saboreamos e o suco doce que nos
escorre pelo queixo. A dança da natureza que nos envolve e nos torna
parte dela. A tarefa não são dois dias, a tarefa prolonga-se no
tempo desde a Primavera até ao fim do Verão. Até chegar a altura
de cortar as bandeira para dar corpo à espiga. E então as canas
secam, ficam amareladas, o milho está pronto a ser cortado. Ao
deslize da gadanha, o sábio conhecedor da terra e das culturas
transforma o chão num tapete dourado que em breve encherá o carro
de bois e será levado para a moita, para a desfolhada. E aqui a
memória do antigamente toma-nos outra vez de assalto. Ai as
desfolhadas à moda antiga. Comunidade e união numa só atividade.
Toda a malta junta em algazarra em redor das canas e folhas para
sacar as maçarocas douradas, à tardinha ou à noite, com histórias
e cantorias e até olhares que mais tarde darão em casamento. E o
milho rei? Se na desfolhada houvesse a espiga avermelhada então quem
a encontrasse lá teria a sorte de poder beijar todos os presentes,
uns com mais vontade que os outros tá claro. E eis que depois de
soltos dos carolos, os grãos dourados precisam ainda de ficar bem
secos. Nas lajes e eiras comunitárias aproveitando o sol que ainda
brilha com intensidade, estende-se o milho logo pela manhã e
junta-se pela tardinha dia após dia. Estes espaços de enorme rocha
granítica escura, no final do Verão tornam-se dourados e
acrescentam cor às pequenas aldeias que vivem à velocidade da
natureza. Rodos de madeira conduzidos por mão calejadas espalham o
milho formando um lençol que cobre a lage enquanto vassouras feitas
de giesta juntam a colheita para não receberem as geadas noturnas
que se começam a fazer sentir, até que por fim o ciclo está
completo e a ultima varredela é para guardar nas arcas de madeira
que os antigos nos deixaras como mostram os buracos do caruncho. E há
que tomar todas as medidas pois estamos no campo, os roedores do
costume fazem todos os possíveis para poderem deitar o dente ao
produto que tanto trabalho deu para ali ter. Enquanto isso, como tudo
o que a natureza nos dá não se deve estragar e tem utilidade, as
canas secas tanto estrumam as lojas dos animais assim como servem
para alimenta-los. Em molhos carregados às costas lá vão sendo
utilizados conforme é preciso.
Ter
a arca cheia para mais um ano ainda requer cuidado no seu uso pois o
seu destino tem as mais variadas utilizações. Além de ter de
sobrar o suficiente para mais uma sementeira no ano vindouro, ainda
há que alimentar as galinhas, fazer farinha e se der para vender uma
parte são mais uns trocos que entram na algibeira. É um ciclo que
começa e acaba consoante a natureza, o trabalho e a persistência
destes homens e mulheres o permite.
É
o ciclo dourado do milho.
Veja como do milho se faz a farinha num moinho de água que resiste ao tempo neste link:
Veja como da farinha se faz o pão caseiro no forno à moda antiga neste link:
Atado o saco de serapilheira à cintura com o grão de semente de rara qualidade de milho, era tão catraio que nem me lembro dos nomes, parecia que abençoava o lameiro à bruta, atirava para todo o lado e ficava a olhar para trás, volta nao volta para os sulcos rasos do arado de pau que levava na frente uns ramos de loureiro e por detrás da rabiça, viria a grade com ramos das giestas para aplainar.
ResponderEliminarEra tempo de sementeira, havia que esperar do tanto para fazer, coisa que não demorava, logo ali estava a sacha, mondar as ervas maleitas e regar.
Isto o que mais eu gostava, apanhar as poças de sortes, às vezes três no mesmo dia e havia que as guardar...que bem sabia no pé descalço, bricando com a sachola para cortar nas velgas e encaminhar a "menina" para a outra a seguir. Era a parte bonita antes do que viria depois, ele, o milho já maduro, dava muito que fazer, gostava de cortar as crutas, aquelas bem engrossadas e com boas espigas por baixo que estendiam nas bordas do lameiro para secarem...ouro para os animais ou quem tais não tivessem, vendiam a bom preço as fachas. Havia que ter cuidado co a chuva, pois cruta molhada, nao valia nada, apodrecia.
Depois a escanada, uma festa, o moinho das sortes, o pão e sorte para a outra colheita.
O milho sempre foi o Rei!