O giz de sabão
desliza pelo pano deixando atrás de si a marca que orientará a mão que guia a
tesoura. Desenhos dignos de arquitectura têxtil medidos a preceito numa fazenda
nua aberta sobre a mesa dão início a um processo que terminará numa peça de
roupa que vestirá um corpo á sua medida, ao seu feitio, ao seu gosto.
Desde
criança que Fernando Andrade foi inserido no mundo da alfaiataria. Mesmo quando
frequentava a escola primária, aprendia em casa a arte que o seu pai já tinha
aprendido com o seu avô e este com o seu bisavô. Ser alfaiate estava escrito no
seu destino, mas mais do que ser o seu legado familiar, era a sua vontade, a
sua vocação.
Aos
vinte e poucos anos de idade surge a paixão. Fernando conhece Maria dos Anjos
Santos que morava no concelho vizinho. Além de todas as outras fórmulas e
raízes quadradas em que o amor se soma, no cálculo desta relação havia ainda um
algoritmo coincidente, a jovem que conhecera tinha ela também uma apetência
para a aritmética da costura. Nunca as parcelas tinham acertado tanto num
quociente.
O
namoro... O casamento... Os filhos...
Mais
de trinta anos juntos e três filhos depois, este casal de artesãos do têxtil
partilham o seu espaço de trabalho num atelier de costura em sua casa. Mais de
trinta anos ao serviço de uma arte em vias de extinção e que nesta família termina
nesta geração.
Ao
entrarmos no atelier damos de caras com a velinha máquina de costura Oliva que continua afinada como nunca.
Para quê motor eléctrico quando o pedal permite um melhor controlo sobre a peça
de roupa em confecção. Na parede à esquerda prateleiras sustentam fazendas dos
mais variados padrões e tons. A parede em frente ostenta dois varões na
horizontal onde estão pendurados calças, casacos e outras peças de roupa
acabadas ou por acabar, como podemos reparar nos casacos sem mangas alinhavados
geometricamente. Há mais máquinas por ali. Há ainda três mesas de madeira, uma
das quais cinquentenária, onde começa todo o processo de confecção de uma peça
de vestuário e se desenrolam muitas fases até ao seu acabamento. Cores,
texturas e padrões não faltam naquele local onde flanela, terylene e bombazine
harmonizam com cones de linhas, tesouras, agulhas, dedais e fitas métricas.
Ferros de engomar lançam nuvens de vapor inexistentes quando Fernando e Maria
dos Anjos ainda jovens tinham de vincar e engomar as peças de roupa com os
antigos ferros aquecidos a brasas que ainda guardam com carinho. Aqui as bainhas
ainda são feitas à mão, as casas para os botões ainda são feitas à mão. Há um
todo um processo contínuo na busca da perfeição que nenhuma máquina é capaz de
proporcionar.
A
partir do momento em que uma fazenda é aberta sobre a mesa, nela é
personificada o seu destinatário. Um nome, medidas e formas fazem da moda por
medida uma arte que anda de mãos dadas com as pessoas, que é feita para as
pessoas em todas as suas dimensões, que tem a sua assinatura. Uma peça de
vestuário personalizada e única no mundo inteiro. A prova da roupa é disso mais
um exemplo. Nada pode falhar e nesta fase intermédia ajusta-se a peça ao seu
proprietário. Mais riscos de giz, medidas e alfinetes permitem obter um
projecto final. Quando a confecção está terminada tira-se a prova dos nove. O
corpo recebe a sua nova peça de vestuário.
A
arte de alfaiate teima em terminar tal qual a conhecemos hoje em dia, mais
ainda que a arte de costureira. São pessoas como Fernando e Maria dos Anjos que
mantêm e manterão estes ofícios vivos enquanto não lhes faltar forças. A
preservação da cultura portuguesa depende dos seus cidadãos e quando eles mais
que ninguém fazem por isso, então podem erguer a cabeça e dizer: eu compri a
minha missão.
Parabéns Bruno pelo artigo.
ResponderEliminarO futuro deste país, Portugal, está aqui, no povo que trabalha duramente dia após dia e não nas elites políticas parasitárias.
É pena que as artes e ofícios antigos, que tão úteis foram para a nossa região, acabem. Felizmente na sua terra ainda há quem mostre à sociedade que só acabam se não houver vontade e não se queira continuar.
Ainda sobre os alfaiates de Dornelas:
Se eu tivesse uma boa relação com a informática conseguia fazer como alguns comentaristas que quando querem que se leia algo já em “arquivo” chamemos-lhe assim, colocava aqui um link, mas como a minha relação não é a melhor, se quiser ler/ver a referência que o blog dos forninhenses fez às alfaiatarias artesanais de Dornelas, click na etiqueta “Casamentos”, Post “Noivas” de 6 de Dezembro de 2010.
Um abraço forninhense.
Obrigado pelas palavras Paula. É por pensar dessa forma que imortaliza também o que de melhor tem Portugal, tal como demonstra no seu blog.
ResponderEliminarVou ver com certeza o post que me indicou.
Um abraço,
Bruno Andrade
Esta homenagem é encantadora, a dedicatória é simplesmente deliciosa Bruno!
ResponderEliminarBeijo grande,
Sara
Olá Sara.
EliminarMuito obrigado.
Beijinho