Este dia de
início de Outubro nasce ainda quente, sem vestígios de geada. O céu alaranjado
deixa sobressair o verde vivo dos cordões de videiras. Às oito da manhã, as
mais de vinte pessoas acabadas de chegar à vinha formam pequenos grupos e
dividem-se pelas carreiras de videiras. Estas encontram-se carregadas de fruto
e os cachos de uvas encontram-se maduros, a sua cor escarlate brilhando à luz
do sol matinal e dados as favoráveis condições climatéricas, perfeitos para a
colheita. Com o balde e tesouras em punho, a vindima começa. Apesar de nos
encontrarmos em pleno Interior Beirão, a evolução dos tempos já se fazem sentir
também aqui. Qualquer destas pessoas se recorda dos tempos em que depois dos
canastros cheios de cachos, agora substituídos por cestos de plástico, passava
o carro de vacas para os levar para o lagar e eram despejados na espremedeira à
manivela enchendo aos poucos no lagar. Os carros de bois foram entretanto substituídos
por tractores e no caso das espremedeiras manuais substituídas por
espremedeiras eléctricas, preparadas até para separar o pé das bagas, ou seja,
o engaço não fica a fermentar juntamente com o mosto. Não obstante, estas
espremedeiras eléctricas estão na posse apenas dos grande e médios produtores
uma vez que os que agricultores de subsistência (a grande maioria), ainda
utiliza as espremedeiras manuais.
São
nove e meia da manhã, é hora da pausa matinal para reconfortar o estômago. Na
mesa esperam pão, queijo, chouriça, presunto, pão-de-ló e filhoses. Homens e
mulheres rodeiam a mesa em busca de um pouco de descanso e de alimento para
recuperar energias. A boa disposição reina e há até quem regue a "bucha"
com um copo de vinho da colheita do ano passado.
Regressa-se
depois à vinha, a vindima continua. As crianças brincam em correrias, levam bebida
aos mais velhos e é-lhes incutido ao mesmo tempo os costumes que prevalecem desde
há gerações. Ouvem-se cantorias que são pontualmente abafadas pelo som do
tractor que carrega os cestos até aos homens encarregues da espremedeira. Outra
das diferenças do agora e do antigamente são as vinhas em si, tanto na sua
disposição como no conteúdo. Há agora por parte dos grandes e médios
agricultores terem a sua vinha disposta em filas de videiras e com espaço entre
elas para a passagem do tractor. No entanto a maior parte dos agricultores
continuam com as suas vinhas como sempre, com as videiras a rodearem terrenos agrícolas
e com as famosas "latadas", videiras que crescem formando parreiras suspensas
em fios de arame. Outra mudança faz-se sentir nas castas. Assiste-se hoje em
dia a uma preocupação cada vez maior com a qualidade do vinho. Nas vinhas
plantadas de há alguns anos para cá encontram-se castas como touriga nacional,
jean, trincadeira entre outros, contrastando com as antigas vinha onde figurava
em grande maioria uvas que nos davam os famosos vinhos morangueiros.
Pouco
passa do meio-dia e a vindima está feita. Nas videiras figuram agora apenas
folhas e vimes que vão ser podados mais à frente. A refeição está acabada de
fazer e homens e mulheres rodeiam a mesa pela segunda vez este dia. Uma
feijoada e o vinho que muitos deles ajudaram a vindimar no ano que passou
forram os estômagos vazios. Mais um ano que passou e a vindima está feita. É
hora do convívio, é hora de apreciar a refeição finda com iguarias típicas como
filhó com queijo e filhó com mel.
Para
os homens vai começar outra etapa, pisar as uvas. Apesar de a espremedeira
fazer grande parte deste trabalho, o pisar as uvas reveste-se de grande
importância uma vez que permite homogeneizar o mosto e fazer o vinho ganhar cor.
Vestem-se os calções e salta-se para dentro do lagar. Pouco mais de meia dúzia
de homens marcham em roda. Reina a boa disposição e como não poderia deixar de
ser, o bom vinho.O agradável aroma quente
das uvas esmagadas emana do mosto a cada movimento de pernas. É assim durante uma ou duas horas até que os homens saltam na
direcção inversa, para fora do lagar. É então a partir dessa altura que o vinho
fica a fermentar durante três ou quatro dias, para depois ser trasfegado para
as actuais cubas de inox que vieram substituir as antigas pipas de madeira,
utilizadas ainda pelos agricultores de subsistência mais antigos.
Com
o evoluir dos tempos muitas mudanças aconteceram na arte de cuidar da vinha, da
vindima e do tratamento do vinho. Porém o tempo passa e uma coisa permanece
igual, o amor que os produtores impregnam em todo este processo, o carinho com
que plantam uma videira, a precisão com que a podam, o vigor com que fazem a
vindima, a sabedoria com que cuidam do seu vinho.
As pessoas dispõem-se pelos cordões de videiras para iniciar a vindima
Dois homens dedicam-se a meter as uvas que chegam no tractor na espremedeira
Desde cedo que as novas gerações lidam com esta arte antiga
Ao meio da manhã é hora de recuperar energias para o resto da manhã
Depois de vazios, os cestos de plástico têm de voltar para junto dos vindimadores
O tractor passa por entre os cordões de videiras para acartar as uvas já cortadas para o lagar
Com as uvas brancas, aproveita-se para fazer já a geropiga
"Até ao lavar dos cestos é vindima"
A refeição apronta-se para ser servida aos trabalhadores
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